O confisco policial de objetos sagrados pertencentes a terreiros é uma dolorosa tradição brasileira e traço marcante da história de Pernambuco, estado que concentra uma das maiores densidades de templos e comunidades religiosas de matriz africana. Devolver simbolicamente parte deste acervo, considerado sagrado e de incalculável valor cultural, é o objetivo de exposição que o Museu da Abolição (MAB), em Recife (PE), inaugura nesta terça-feira (28), às 19h.
Realizada em parceria com o Museu Afrodigital (PPGA/UFPE) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP), “Repatriação Digital do Acervo Confiscado de Terreiros” traz fotografias digitais de cerca de 500 objetos pertencentes a terreiros do Recife que foram confiscados pela polícia durante perseguições a sua expressão religiosa.
A exposição é um desdobramento do projeto “Repatriação digital do acervo afro Pernambucano sob a guarda do Centro Cultural São Paulo”, financiado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco – Funcultura. Os objetos que integram o conjunto exposto foram cedidos pelas autoridades policiais à Missão de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade durante sua passagem pelo Recife, em 1938, e hoje se encontram sob a guarda do CCSP.
O projeto “Repatriação Digital” identificou e digitalizou todos os objetos dos terreiros do Recife salvaguardados pela Missão, inclusive em 3D (objetos tridimensionais), e atualizou sua documentação museológica. O conjunto de fotografias, produzidas durante a pesquisa no CCSP, passa a compor o acervo digital do MAB e o inventário do Museu Afrodigital.
Fomento ao debate
O resultado deste trabalho, além de permitir ao público pernambucano o acesso a um acervo que se encontra distante de seu solo original, oferece a possibilidade de resgatar memórias sociais em torno das perseguições das expressões religiosas de matriz africana ocorrida nos anos 1930 em Recife – no contexto do estreitamento de liberdades políticas, controle dos movimentos sociais e “disciplinamento” dos trabalhadores brasileiros praticados no Estado Novo.
“A parceria desenvolvida entre o MAB, o Museu Afrodigital e o CCSP traz a oportunidade de assegurar o direito à memória e fomentar o debate em torno do respeito às expressões religiosas dos povos tradicionais”, explica a diretora do MAB, Maria Elisabete Arruda. A exposição já está disponível para visitação também pelo site do Museu Afrodigital e será tema do seminário “Memória e Resistência do Povo de Terreiro”, que o MAB sedia de 29/11 a 1º de dezembro, das 9h às 17h.