Entrevista: museu e escola no combate à intolerância religiosa

publicado: 07/12/2017 15h29,
última modificação: 07/12/2017 16h06

Professora de História na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ), Carolina Barcellos Ferreira pesquisa as relações étnico-raciais e museus históricos e etnográficos. Seu interesse no tema inspirou o trabalho “Museu e Escola: a produção de um material pedagógico voltado para o combate à intolerância religiosa”, que propõe uma discussão sobre o diálogo possível e necessário entre museus e escolas para debater desafios da sociedade contemporânea, com foco na questão da intolerância religiosa.

Seu objeto de pesquisa (leia a dissertação da autora na íntegra), que rendeu a produção de livreto orientador para escolas, foi apresentado e debatido na semana passada durante o Seminário Internacional “10 anos de cooperação entre museus: Museologia ibero-americana e a Declaração de Salvador”, realizado em Brasília (DF). Conversamos com a professora e pesquisadora sobre sua pesquisa, contexto e desdobramentos.

Como surgiu a ideia de explorar a relação museu-escola no combate à intolerância religiosa no seu contexto de atuação como professora da rede municipal do Rio de Janeiro?
A ideia de trabalhar a questão da intolerância religiosa em sala de aula surgiu em 2011, quando a coordenadora de uma das escolas em que trabalho propôs uma festa para comemorar a páscoa. As professoras de História da escola (Renata Maia, Patrícia dos Santos e eu), nos opusemos e sugerimos em seu lugar uma Mostra da Diversidade religiosa na escola, uma prática que passamos a realizar na instituição. Na elaboração desta atividade, percebemos que muitos estudantes eram adeptos de religiões como Candomblé e Umbanda e escondiam isso. Depois, quando eu já cursava o mestrado profissional em ensino de História, na UERJ, percebi que os objetos das religiões afro-brasileiras eram constantemente rejeitados em visitas escolares a museus, embora outros objetos religiosos, de matriz cristã, fossem encarados com naturalidade pelos alunos. A partir daí eu passei a me aprofundar sobre a história de alguns acervos e a pensar formas para discutir a historicidade também dos objetos religiosos de matriz africana, aliando à discussão sobre a intolerância religiosa atualmente.

De que modo sua experiência profissional/pessoal contribuiu para o desenvolvimento do projeto?
Todo o projeto está ancorado na minha experiência em sala de aula, nas conversas com os estudantes e nas visitas escolares a museus que realizei nos últimos anos. As exposições selecionadas foram aquelas em que eu já havia percebido rejeição ou curiosidade dos alunos em relação aos objetos religiosos de matriz africana.

Quais foram os produtos dele e quais os impactos que você avalia que eles tiveram em seu campo de atuação?
O principal produto deste trabalho de mestrado foi o livreto “Religiosidade nos museus”, que ainda está em fase de divulgação e que eu espero que possa incentivar outros professores e profissionais de museus a discutir estas e outras questões a partir dos acervos e das visitas escolares. No que se relaciona especificamente ao grupo focal com o qual desenvolvi o projeto, formado por 9 alunos do oitavo ano, acredito que a experiência possibilitou a eles a oportunidade de conhecer outras crenças religiosas e as histórias por trás dos objetos religiosos trabalhados, compreendendo os museus de uma forma mais complexa. Para mim, a principal consequência do projeto foi a percepção de que temas como a intolerância religiosa precisam ser urgentemente trabalhados em sala de aula, pois são fonte de sofrimento e discriminação entre os alunos. Se antes eu suspeitava da intolerância nas escolas, durante o processo de diálogo com os alunos do grupo focal, tive acesso a depoimentos muito contundentes. Por exemplo, uma das alunas relatou que em uma festa de encerramento da turma, em 2015, o bolo trazido por um aluno não fora tocado, pois os colegas não queriam comer o bolo de alguém cuja família era ligada ao Candomblé. Ao final de seu depoimento, ela dizia toda orgulhosa que fora a primeira a comer o bolo e que ele estava uma delícia, e que só depois disso, os outros passaram a comer também.

Qual é, na sua opinião, o potencial da interação museu-escola para a superação da intolerância religiosa enfrentada pelas religiões afro-brasileiras?
A interação entre museus e escolas na luta contra a intolerância religiosa é muito valiosa, pois podemos unir as especificidades dos dois espaços educativos e construir experiências muito ricas nas visitas e pós-visitas. Trabalhando a história das coleções e o sentido da exposição destes objetos em museus, podemos discutir a forma como eles foram criados, com quais objetivos, como passaram a fazer parte do acervo dos museus para, enfim, percebê-los como parte da herança cultural e da história do país. Essa valorização é um dos caminhos possíveis para gerar um diálogo entre alunos de diversas matrizes religiosas, com foco no respeito à diferença.

De que modo seu trabalho contribui neste cenário?
Acredito que ele dê visibilidade ao potencial dessa interação, mostrando, na prática, que é possível unir questões que são caras aos museus, como a história de suas coleções, e temas prementes da atualidade, como a intolerância religiosa. É uma ferramenta que pode ser utilizada para debater este assunto e espero que estimule outros profissionais, dentro e fora dos museus, a pensar outras formas de relacionar as funções sociais dos museus com os desafios da sociedade contemporânea.