Poucos museus brasileiros encarnam tanta história, em sua estrutura física, quanto o Museu de Arte Religiosa e Tradicional (MART), vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e situado em Cabo Frio (RJ).
Inaugurada em 1686 para sediar o Convento Nossa Senhora dos Anjos, a edificação é considerada um valioso exemplar da arquitetura franciscana e colonial brasileira. Durante dois séculos, suas paredes abrigaram frades portugueses e brasileiros, além de uma escola de noviciado.
A escassez de religiosos levou ao fim das atividades conventuais e abandono temporário do local até seu tombamento como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1957.
As ruínas do convento, então há quase um século desocupado pelos franciscanos, passaram à época por processo de reconstrução a partir de memória iconográfica, sendo reconstituídas para abrigar um museu de arte sacra. Concebido a partir de diálogo com a comunidade local, o MART abriu as portas ao público em 1982 com acervo constituído, em sua maior parte, por imagens religiosas dos séculos XVII, XVIII e XIX – várias delas entregues ao museu por moradores da região.
História oral e personagens
O diálogo com a comunidade de Cabo Frio e com profissionais que atuam no MART, além de participantes envolvidos em exposições e os membros da Ordem Franciscana Secular – que funciona até hoje no antigo convento, realizando suas atividades em comunhão com as do museu – é agora o foco de iniciativa da instituição voltada à preservação de sua própria memória.
O “Programa Conversadeira – Laboratório de História Oral” objetiva registrar as memórias dos grupos envolvidos na dinâmica institucional do MART, que realiza coleta contínua de depoimentos sobre suas atividades e metamorfoses – como a recente obra de requalificação do edifício, vivenciada nos anos de 2014 a 2015. Além disso, todas as atividades desenvolvidas pelo museu são registradas em suporte audiovisual.
O resgate da história oral em torno da antiga edificação religiosa – que no início de agosto completou 331 anos – revela, por exemplo, os novos tipos de ocupação e aproveitamento urbano que as ruínas e seu entorno testemunharam ao longo do século XX. Os depoimentos também mostram que o atual MART foi cenário para personagens locais.
É o caso do artista plástico Carlos Mendonça, falecido em 2012 – que, recém-chegado à cidade para trabalhar como telegrafista, chegou a viver no antigo convento nos anos 1950; e da andarilha Otília, lembrada pela memória local como alguém que percorria a cidade carregando uma cruz, dizendo ser “dona” do convento, e quando falecida foi enterrada junto aos membros da Ordem Franciscana Secular, no cemitério que integra o monumento.
Memória integrada à região
Diversas atividades realizadas pelo MART hoje buscam diálogo com a história do local. O projeto “Música no Convento” aproveita a excelente acústica da igreja conventual, antes útil às laudes e vésperas que os frades franciscanos entoavam, para divulgar a atual produção musical da região. E se os frades praticavam a contemplação da natureza, o museu incentiva a observação dos astros com o projeto “Astronomia no Museu”.
“Desenvolvemos uma forma lúdica para trabalhar a memória do espaço em integração com a região, o que vem atraindo pessoas de todas as idades, refletindo positivamente no incremento do público do museu”, explica a diretora do MART, Maria Fernanda Pinheiro de Oliveira.
Este ano, o MART lançou a publicação Cabo Frio – 400 Anos de História (1615-2015), reunindo textos de historiadores locais sobre a Baixada Litorânea Fluminense, o Convento Nossa Senhora dos Anjos e o museu. O livro está disponível para download gratuito.
A importância de preservar e revelar as memórias dos museus brasileiros é o mote da 11ª Primavera dos Museus, que traz como tema Museus e suas memórias e acontece de 18 a 24 de setembro.
Texto: Ascom/Ibram
Fotos: MART/Divulgação
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