Visitantes percorrem roteiros vivos, com apresentação de Rap, capoeira, break, coral, samba e relatos de memórias da comunidade
Cerca de 30 visitantes, de crianças a estudantes e estrangeiros, tiveram a oportunidade de conhecer no último sábado (30) as memórias e expressões artísticas dos morros Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na cidade do Rio de Janeiro, percorrendo a ONG Museu de Favela – MuF , um museu a céu aberto que busca agregar e fortalecer a cultura local, através do resgate da memória e cultura de seus moradores e que integra o projeto Pontos de Memória, coordenado pelo Departamento de Processos Museais do Instituto Brasileiro de Museus (DPMUS-IBRAM).
Durante a concentração, os visitantes assistiram a um vídeo sobre a criação do museu e foram brindados com a apresentação de Rap do presidente do museu, ACME. De cima de uma laje, usando a música como instrumento de conscientização, o também grafiteiro e sócio-fundador e articulador do MuF deixou a mensagem da visão do museu – agregar a cultura , a história e toda a riqueza de idéias do morro. “O MuF quer encorajar essa galera a botar a cara e elevar a alma desse território museal de favela.”
Jefferson Lessa, morador de Ipanema, diz participar pela segunda vez da visita-guiada ao MuF. Para ele, esta é a oportunidade de conhecer outros ângulos e realidades da cidade que parecem ocultos. “A iniciativa é uma forma de a comunidade abrir suas portas para quem não a conhece, tanto para os moradores do Rio quanto para os turistas.”
A visitação, cujos roteiros foram elaborados a partir de pesquisas realizadas com a própria comunidade, foi dividida em dois percursos: Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, com duração de duas horas e meia e guias da própria comunidade. O grupo do Pavão-Pavãozinho passou pela estação do bondinho, inaugurado em meados de 80 no Governo Brizola , seguiu para Casa da Antônia, liderança do morro – o local funciona como uma lojinha da Rede MUF de artesãs e como a parada do chá medicinal. O percurso também passou pelo Bar do Dorico, localizado em um largo que é uma grande encruzilhada , utilizado como palco de apresentações culturais e como uma espécie de teatro de arena, pela laje da Valdete , que contempla uma vista privilegiada de Copacabana, com direito a sucos de diversos sabores, batida, água e refrigerante. Na volta, os visitantes conheceram a primeira igrejinha do morro e assistiram à apresentação da bateria mirim da comunidade.
Já no trajeto Cantagalo, os guias conduziram os visitantes a pontos históricos, tais como a rua homônima a Haroldo Santos, um dos grandes ícones do samba carioca, a Casa do Adão Dãxalebaradã, que foi pai de santo e compositor de mais de 500 músicas sobre cultura afro-brasileira. Passaram pelo Forte – que funcionava como posto de radar e controle de tráfego de navios do exército no Forte de Copacabana. O percurso também contou com apresentação de uma roda de capoeira, do coral infantil Harmonicanto e de um grupo de break. Ao final, os visitantes ainda puderam conhecer e comprar os trabalhos artesanais e artísticos produzidos pelos moradores.
O MuF, formado há dois anos por uma rede de parceiros, pode ser considerado o atual guarda-chuva cultural dos morros Pavão-Pavãozinho e Cantagalo – que reúne cerca de 20 mil moradores.
Moradora do Cantagalo há três anos, a MC Isabel Cristina, também conhecida como Bebel do Gueto, diz que está vendo muitas mudanças positivas desde a atuação do museu. “O MuF tem mostrado novas oportunidades para a garotada, por meio da cultura e da arte, e também tem despertado nos visitantes um olhar bem diferente da favela do que é passado lá fora.”
O italiano João Michel, professor de línguas, que está morando no Cantagalo há duas semanas, diz ter se surpreendido com a energia da comunidade. “As pessoas são vivas e calorosas, me sinto muito bem aqui.”
Já Lúcio, instrutor de break e professor no Afro-Reggae, acredita que através da arte os moradores da comunidade estão se tornando referências. “Estamos fazendo história. O MuF é fundamental porque é vivo, assim como nossa dança. Sou da favela e me considero feliz. Daqui vejo o horizonte”.
Para Ana Claudia, professora de eco-artesanato do MuF, o resgate da história da comunidade está acontecendo. “Moro aqui há 11 anos e eu não conhecia a própria comunidade.Agora, quando passo pelos becos hoje, tenho um outro olhar, uma outra visão e, como gosto muito de criar, já começo a viajar nas coisas que podem acontecer no futuro.
Segundo o diretor do DPMUS – Ibram, Mário Chagas, que vem acompanhando todo o processo de atuação do museu, o MuF se insere com destaque importante na paisagem cultural da cidade do Rio de Janeiro. “O museu tem, ele mesmo, um olhar especial para a paisagem da cidade. Um diálogo entre montanhas e a cidade realizado a partir da ocupação humana. O DPMUS apóia e viabiliza no Brasil inteiro um conjunto de iniciativas comunitárias, que denominamos de museus sociais ou pontos de memória. O MuF, desde o primeiro momento, vem recebendo este apoio.”
Ao final da visita, os visitantes foram convidados a preencher um formulário de avaliação, que servirá para o aperfeiçoamento da atuação do museu.
Pontos de Memória – O projeto tem como objetivo apoiar a criação de museus comunitários em regiões metropolitanas do país, orientando e mobilizando as comunidades no sentido de apóias-las na reconstrução e proteção da memória social e coletiva a partir de seus moradores, suas origens, histórias e valores. . A expectativa é de que a iniciativa se transforme numa referência para a comunidade e num ponto de dinamização das atividades culturais e socioeducativas locais. A iniciativa é resultado de parceria entre os Programas Mais Cultura, do Ministério da Cultura, através do Ibram, e do Pronasci, do Ministério da Justiça, com apoio da Organização dos Estados Ibero-americanos – OEI.